sexta-feira, 24 de abril de 2020

Seres desumanos...


O ser humano é quase tudo, menos humano.

Depois que voltei ao trabalho, só trabalhei por duas semanas por conta da pandemia de Covid-19. Mas foram duas semanas que algumas pessoas me deixaram impressionadíssima com a falta de discernimento, de afeto, de humanidade, nem sei de mais o quê. Vivi diversas situações desconfortáveis pra mim e vexatória para o outro. Não senti e não sinto vergonha da religião, mas sinto vergonha do outro, que fala cada coisa absurda.

Como já falei, trabalho com um político e o acompanho em agendas oficiais... Quando se faz a iniciação no Candomblé, a cabeça é raspada. Portanto, a pessoa fica sem cabelo. Contudo, a cabeça fica coberta até que sejam cumpridos os três meses de resguardo. Então, o iniciado – no trabalho – fica com a cabeça coberta por um lenço claro e discreto (nas demais ocasiões, o pano de cabeça branco). Fora o lenço, minha aparência é absolutamente normal. Lenço é uma coisa que até está na moda. Imagina.

Certo dia, chegando a uma determinada repartição pública, acompanhando meu chefe, uma senhora se aproximou de mim com um largo sorriso – eu disse largo sorriso – e me perguntou se eu estava com câncer. E eu respondi: “graças a Deus ainda não. Eu fiz o santo”. Na mesma hora o largo sorriso saiu do rosto dela, seu olhar se transformou e ela me olhou com tanto repúdio que chegou a me causar espanto. Acho que a decepcionei profundamente. Penso que ela preferiria que eu estivesse com uma doença grave. Como assim?!

Sabe o que é pior? Essa não foi a única vez que isso aconteceu. Em duas breves semanas de trabalho, isso me aconteceu umas seis vezes ou mais (parei de contar). Que triste! As pessoas achariam melhor ou mais certo ou sei lá, se eu estivesse com uma doença grave que anualmente quita a vida de dezenas de milhares de pessoas todo ano no mundo. O que será que eles pensam? A fé deles é processada em qual Deus? Ainda são humanos? São cristãos? Eu não sei. Sinceramente não sei. Uma coisa eu sei. Nenhuma destas pessoas me viram como uma pessoa, como um semelhante ou como um ser humano.

As crenças podem ser distintas, a fé pode ser processada de várias formas... o que as pessoas não deveriam esquecer é que somos todos seres humanos e devemos processar mais o amor ao próximo. Isso não é uma questão religiosa. É só uma questão de respeito, que inclui o respeito ao sentimento do outro. Como pode alguém achar mais louvável que uma pessoa que esteja de lenço esteja com câncer?! Nossa! Que coisa mais triste!

Todos os dias na volta do meu trabalho – trabalho distante da minha casa, cerca de 40 minutos de carro com o trânsito livre – eu vinha fazendo minhas preces a Deus e aos Voduns para que perdoassem os ignorantes e isso me inclui, e que me fizessem sempre e cada vez mais humana e que meus olhos nunca ficassem vendados, para que possa enxergar o ser humano, ainda que ele não seja humano comigo.
Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sejam bem-vindos!!! O caminho é pequeno, mas o coração é grande.