quinta-feira, 30 de abril de 2020

Gosto de festa


Toda vez que me abraço contigo

São tantos motivos pra enlouquecer
Te esquecer, juro que não consigo
Me viro do avesso pra não te perder
Quando estou viajando em teus beijos
São tantos desejos que sinto nascer
Se um dia você me deixar, eu não deixo você
Ao sentir tuas mãos flutuar em meu corpo
Me desprendo de mim sem fazer alvoroço
Coração fica alerta, minhas portas abertas
E as palavras que surgem eu não posso dizer
São momentos sem fim, você dono de mim
Saboroso prazer, dá gosto de viver
Esse gosto de festa, a minha alma em festa
Como foi bom te conhecer.
Dominguinhos do Estácio

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Algumas músicas são tão belas, são verdadeiras declarações de amor. Há alguns pares de anos escrevi esta música como forma de declaração de amor ao meu amor, em um papelão. Engraçado como algumas atitudes nos sentenciam. Hoje, depois de tanto tempo, depois de tantas coisas, tantas situações – algumas fáceis, outras nem tanto – eu ainda te amo tanto. E como na música, “se um dia, você me deixar, eu não deixo você”. E eu não te deixei. Por mais difícil e doloroso que seja, em momento algum me arrependo de ter conhecido você, de ter despido a minha alma, de ter me entregue de alma, corpo, coração... Com a mais absoluta certeza o amor que sinto por você é o melhor sentimento, o mais profundo que já senti por um homem. Como foi bom te conhecer. Eu te amo... até sempre.

terça-feira, 28 de abril de 2020

O tempo


“Ter menos para ser menos propriedade das coisas. O excesso a ser administrado nos rouba o bem mais precioso: o tempo”.

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Ah, o tempo! Sempre avassalador, sempre dono de si e de tudo mais. Quanta perda de tempo passar o tempo, pensando no tempo futuro – que pode ser que nem chegue – deixando de viver o tempo presente.

Há quem caminhe lentamente sobre o seu tempo e há quem o atropele. Ambos se equivocam com o próprio tempo achando que ele é infinito, mas escorre por entre os dedos. É hora de valorizar o tempo, porque uma hora ele é tempo e na outra, não mais.

Tempo é presente precioso e já que vamos perdê-lo que seja com quem verdadeiramente amamos.

sábado, 25 de abril de 2020

O que se perde, o que se ganha...


Já falei em uma postagem que sou lerda para algumas coisas, mas quando se trata de sentimentos, sou uma perfeita idiota. Na maioria das vezes, interpreto errado e o preço que pago é alto... quando considerei de fato fazer minha iniciação no Candomblé considerei algumas coisas e superestimei outras. E, é claro, que o resultado não foi dos melhores. Eu não sou boa de entrelinhas, não sei ler este tipo de diálogo.

Não sou uma pessoa carinhosa, mas sou pau pra toda obra e se eu amo alguém, não meço esforços. Não sei se isso é defeito ou qualidade. O amor pra mim é sagrado e eu amo por inteiro, com plenitude, desarmada e com a alma nua e sempre espero o melhor do amor, até porque faço o melhor que posso, com o que tenho e com o que sei. Pode até não ser o melhor para os outros, mas com a absoluta certeza, é o meu melhor, meu mais puro, meu mais profundo.

E eu perdi. Supervalorizei o amor. E perdi o que tanto prezava. Perdi sem opção de escolha, porque se tivesse que escolher o meu amor mil vezes, eu escolheria mil e uma. E eu perdi sem sequer ouvir uma única palavra. Quando eu vi, já não existia. E tudo que eu considerava tão sagrado, tão meu, já não era mais.

Em cada escolha do meu amor, em mim ele encontrou total apoio. E foram muitas as escolhas. Conheci em uma profissão e, em 15 anos de convívio, foram algumas outras. E, em todas as escolhas, o meu apoio. De lugar foram outras tantas escolhas e lá estava eu. Viajei alguns pares de quilômetros de carro, de ônibus, de avião. Porque pra mim o amor passa pelo apoio, pela cumplicidade. Sem contar que mudaram as profissões, os lugares, mas a pessoa é a mesma e com o amor ao lado se caminha mais firme. E, caso algo não saia como esperado, se tem o melhor lugar para pousar: nos braços de quem nos ama.

Na nudez da alma eu tinha o maior orgulho de dizer que o amor é maravilhoso e que eu o conhecia. Orgulho sem soberba. Do meu amor sempre falei com amor, alegria. Além de amor, sempre falei que era meu melhor amigo. Desde quando o conheci, quando acontecia algo bom, ele era a primeira pessoa que eu pensava e contava. E, se acontecia algo ruim, também era nele que pensava e pra ele que contava. E, ainda hoje, ele é a primeira pessoa em quem penso, mas já não tenho como contar.

E quando escolhi fazer minha iniciação jamais pensei que seria assim. Nem nos meus piores pesadelos achei que isso me aconteceria. Eu de verdade acreditei que meu amor e eu ficaríamos juntos por toda vida e que envelheceríamos juntos em algum lugar tranqüilo do interior. Eu realmente acreditei nisso e nunca imaginei que seria de outra forma. Em anos eu apoiei tantas escolhas – e algumas foram desafiadoras – e eu só fiz uma escolha.

É tão estranho. Eu sou um ser humano como qualquer outro, com defeitos e qualidades; sou uma pessoa séria, digna, correta, honesta; sou uma profissional que trabalha muito para colocar na mesa o pão nosso de cada dia; sou uma mãe que faz o possível para e pelos filhos; não sou boa dona de casa, mas cuido da minha casa com zelo e carinho; sou uma mulher bacana; não faço e não desejo mal a ninguém. Eu creio em Deus e nas forças da Natureza, amo Nossa Senhora. Não sou do mal, não apoio o mal, não aprendi a virar a cabeça como a menininha do filme “O Exorcista”, tampouco aprendi a subir paredes de costas.

O que eu aprendi na minha iniciação no Candomblé? Aprendi a silenciar, domar mais meus impulsos, ser menos explosiva, olhar pra dentro de mim, respirar fundo quando as cosias saem do “controle”. E outras coisas ficaram ainda mais fortes dentro de mim. Deus está em todas as coisas e isso inclui dentro de cada um de nós; o amor é o mais forte e o mais nobre dos sentimentos; podemos nos compadecer da dor do outro, mas jamais senti-la, então a dor do outro tem que ser respeitada; que o diálogo é de suma importância para todo tipo de relação; tudo que te é de valor deve ser preservado com respeito, carinho e amor; que não podemos voltar atrás, mas podemos recomeçar, retomar a qualquer tempo; que o coração do outro é terra sagrada, então só se pisa com muito amor.

Eu sou a Audrey. Eu sou ser humano, filha, mãe, profissional, dona de casa, mulher...
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sexta-feira, 24 de abril de 2020

Seres desumanos...


O ser humano é quase tudo, menos humano.

Depois que voltei ao trabalho, só trabalhei por duas semanas por conta da pandemia de Covid-19. Mas foram duas semanas que algumas pessoas me deixaram impressionadíssima com a falta de discernimento, de afeto, de humanidade, nem sei de mais o quê. Vivi diversas situações desconfortáveis pra mim e vexatória para o outro. Não senti e não sinto vergonha da religião, mas sinto vergonha do outro, que fala cada coisa absurda.

Como já falei, trabalho com um político e o acompanho em agendas oficiais... Quando se faz a iniciação no Candomblé, a cabeça é raspada. Portanto, a pessoa fica sem cabelo. Contudo, a cabeça fica coberta até que sejam cumpridos os três meses de resguardo. Então, o iniciado – no trabalho – fica com a cabeça coberta por um lenço claro e discreto (nas demais ocasiões, o pano de cabeça branco). Fora o lenço, minha aparência é absolutamente normal. Lenço é uma coisa que até está na moda. Imagina.

Certo dia, chegando a uma determinada repartição pública, acompanhando meu chefe, uma senhora se aproximou de mim com um largo sorriso – eu disse largo sorriso – e me perguntou se eu estava com câncer. E eu respondi: “graças a Deus ainda não. Eu fiz o santo”. Na mesma hora o largo sorriso saiu do rosto dela, seu olhar se transformou e ela me olhou com tanto repúdio que chegou a me causar espanto. Acho que a decepcionei profundamente. Penso que ela preferiria que eu estivesse com uma doença grave. Como assim?!

Sabe o que é pior? Essa não foi a única vez que isso aconteceu. Em duas breves semanas de trabalho, isso me aconteceu umas seis vezes ou mais (parei de contar). Que triste! As pessoas achariam melhor ou mais certo ou sei lá, se eu estivesse com uma doença grave que anualmente quita a vida de dezenas de milhares de pessoas todo ano no mundo. O que será que eles pensam? A fé deles é processada em qual Deus? Ainda são humanos? São cristãos? Eu não sei. Sinceramente não sei. Uma coisa eu sei. Nenhuma destas pessoas me viram como uma pessoa, como um semelhante ou como um ser humano.

As crenças podem ser distintas, a fé pode ser processada de várias formas... o que as pessoas não deveriam esquecer é que somos todos seres humanos e devemos processar mais o amor ao próximo. Isso não é uma questão religiosa. É só uma questão de respeito, que inclui o respeito ao sentimento do outro. Como pode alguém achar mais louvável que uma pessoa que esteja de lenço esteja com câncer?! Nossa! Que coisa mais triste!

Todos os dias na volta do meu trabalho – trabalho distante da minha casa, cerca de 40 minutos de carro com o trânsito livre – eu vinha fazendo minhas preces a Deus e aos Voduns para que perdoassem os ignorantes e isso me inclui, e que me fizessem sempre e cada vez mais humana e que meus olhos nunca ficassem vendados, para que possa enxergar o ser humano, ainda que ele não seja humano comigo.
Continua...

quinta-feira, 23 de abril de 2020

De volta ao trabalho...


A vida tem que continuar... e o trabalho é mais que necessário.

Um dia depois da minha volta “triunfal” pra casa, fui trabalhar. Com todos os aparatos que inclui a cabeça coberta, fui para o meu trabalho. Estava de certa forma feliz. E no meu ambiente de trabalho físico eu fui muito bem recebida. Meu chefe e minha chefe, além dos colegas de trabalho, se alegraram em me ver. Nossa, foi um alívio e tanto porque eu já estava preparada para o pior. Naquele momento me desarmei.

Eu trabalho em dois lugares: com um político e dou aulas de Espanhol em um curso. Meu trabalho principal é com um político. E quando se trabalha diretamente com um alguém público, nossa imagem também fica muito em evidência – o que pode ser um tanto quanto desconfortável, principalmente na ocasião em que me encontrava. Mas minhas férias tinham acabado e eu tinha que voltar ao batente. E, é claro, que muitas coisas e situações me deixariam desconfortáveis.

Por ter a imagem vinculada a do meu chefe, muitas pessoas se aproximam de mim e me procuram para chegar até ele, para marcar alguma reunião, pegar alguma assinatura, enfim, para ter acesso a ele. Uma das minhas principais funções é acompanhá-lo em suas agendas oficiais e, isso inclui visita a obras, órgãos públicos, etc. E logo que voltei ao trabalho tínhamos que visitar uma construção e lá encontraríamos um deputado (para quem trabalhei e indiretamente continuo trabalhando) e sua equipe, além de outras pessoas. Ao todo éramos cerca de 40 pessoas.

Chegando na tal obra fui olhada por todos (quase que ao mesmo tempo) de uma forma nada interessante. Os poucos que me cumprimentaram o fizeram a distância – e uma distância considerável. E as pessoas estavam em grupos formados por três pessoas ou grupos maiores e apenas eu estava sozinha. Só duas pessoas dentre todas que lá estavam me cumprimentaram e conversaram comigo por uns 10 minutos. Os demais não passaram nem perto. Foi como se eu tivesse com uma doença altamente contagiosa. Em outros tempos, fariam questão de me cumprimentar, conversar...

Este dia me deixou muito triste. Não por minha causa em si, mas por aquelas pessoas. Tão triste ver tanta gente desumana de uma só vez, em um mesmo lugar. Foi assustador.
Continua...

quarta-feira, 22 de abril de 2020

De volta pra casa,,,


Voltar pra casa gerava uma expectativa enorme.

Exatos 30 dias depois da minha entrada no Barracão eu voltava pra minha casa. Foram 30 dias sem ver as pessoas que eu mais amo – das quais uma eu não via há um pouco mais. Nossa quanta expectativa! E gerar expectativa, na maioria das vezes, pode ser bem frustrante também. As pessoas estavam em suas rotinas. Era eu quem estava fora.

Minha mamãe foi até a minha casa me ver na mesma hora em que cheguei, meu filho chegou um tempo depois, minha filha depois de três dias e há pessoas que não chegaram. Este era o meu primeiro choque de realidade. E chegar em casa foi bom, sem dúvida, mas penso que gerei expectativa demais. Era eu quem estava com muita saudade.

Cheguei em casa, mas ainda tinha regras a seguir que perduram por mais três meses. Recebi da minha Gaiaku muitas orientações e algumas poucas concessões – chamada na religião de “quebra de quizila” – porque voltaria ao trabalho em pouquíssimo tempo. Não cabe aqui falar sobre as regras que tinha que seguir, tampouco as concessões que me foram feitas para o trabalho. O que me cabe dizer é que em casa, como toda Yawò eu havia que cumprir todas as regras, sem exceção.

Não são as regras mais difíceis do mundo que uma Yawò tem que cumprir, mas para que tudo corra bem, é necessária muita disciplina. De toda forma, estar em casa foi bom. E uma nova etapa começava...
Continua...

terça-feira, 21 de abril de 2020

Minha Dofonitinha


Os laços que ser formam em um Roncó são para toda vida.

Fiz minha iniciação no Candomblé com a Andreia – esposa de um dos meus primos. Nos conhecemos há 30 anos (isso mesmo! Ela casou ainda adolescente e eles estão juntos até hoje). Quisera Deus e os Voduns que ela se mudasse para a casa em frente a minha. Por alguns motivos não nos falávamos. Até quem um dia voltamos a nos falar e ela foi ao Barracão que frequento. Daí pra cá nossa amizade se fortaleceu bastante. Uma ajuda a outra nas precisões da vida.

Decidimos que faríamos o possível para fazermos nossa iniciação juntas. Eu de Azansú e ela de Oyá. E, assim, aos poucos, sem grandes pretensões, fomos nos preparando... até que em janeiro de 2020, entramos juntas para a iniciação. No dia 25 de janeiro formou-se o barco da Audrey e da Andreia. Começou naquele dia a nossa irmandade. Não sabíamos ainda – fazíamos apenas ideia – o quanto uma precisaria da outra e o quanto teríamos que nos apoiar.

Foram longos dias juntas. Na maior parte do tempo éramos eu e ela com nós mesmas. Ora eu precisava do apoio dela, ora ela do meu. À vezes nos falávamos e nos entendíamos só com o olhar. Foram longos dias de mistos sentimentos e emoções. Só nós duas sabemos se rimos ou se choramos. O fato é que compartilhamos absolutamente tudo e não foi fácil. E se conseguimos passar por algumas coisas, agradecemos a Deus, aos Voduns e uma a outra.

Entramos como Audrey e Andreia e saímos como Dofona Azonsi e Dofonitinha Oyasi. Construímos mais que amizade. Construímos uma irmandade que tem laço por toda vida. E não foi apenas por estarmos no mesmo barco, mas por temos nos unido, nos entendido, nos apoiado nas horas difíceis e por termos entendido que a união e o amor tornam tudo mais fácil. E no Roncó não há como se esconder em nenhum subterfúgio. Nós somos mais de nós mesmos e é necessário olhar diferenciado para encontrar o amor quando estamos desnudos. Isso é para poucos. Então, somos privilegiadas por nos amarmos na “nudez”.

E eu tenho a MELHOR Dofonitinha que uma Dofona pode ter. Ela é a Minha Dofonitinha. Minha e Dofonitinha com letra maiúscula porque ela é assim: grande em tudo que faz, além de “me pertencer”. Dofonitinha ela é só minha! (coisas de filho único que amam e têm seus “istas”: individualista, egoísta, exclusivista... e eu sou filha única). E a Minha Dofonitinha é mais que especial por tantos motivos que fica difícil enumerá-los.

Palavrão pra ela é vírgula, tem modos de menino... ah, mas ela é sensível, tem olhar diferenciado para o outro, ela cuida, tem um abraço incrível, seu beijo cura, sua presença traz cor e alegria. Ela é um ser humano incrível. Mal de mim se não tivesse tido a Minha Dofonitinha, exatamente do jeitinho que ela é: um furacão! Um furacão maravilhoso!!!

Falamos, ouvimos, sentimos e vivemos juntas o que nunca será feito ou compartilhado com qualquer outra pessoa. Saímos do Roncó com lindo laço. E à Minha Dofonitinha, os meus mais profundos respeito, admiração, gratidão e amor.
Continua...

segunda-feira, 20 de abril de 2020

De palha me cubri...


Chegou o dia da festa (16 de fevereiro de 2020) para quem estava do lado de fora, porque a verdadeira festa, a do Vodum, já havia acontecido dentro do Peji. E era a hora de sair. Do pouco que vi e pude sentir, dentro de mim havia um misto imenso de sentimentos e o mais profundo desejo que tudo acontecesse da melhor forma. Havia o medo também, mas um medo diferente. O meu medo era que lá fora, na assistência da festa não estivessem as pessoas que eu amo e uma de fato faltou. Eu não os veria, mas saberia que estiveram lá.

E de palha me cubri. De palha eu fui coberta. Essa é a minha armadura há tempos, mas nunca como a partir daquele momento. Não uma armadura que me permite o ataque, muito pelo contrário. As palhas pra mim são como o colo de meu Pai, onde me sinto protegida e me faz ser melhor. Sob as palhas eu encontro proteção, afago, amor e é isso que posso oferecer. Não me é mais permitido não tentar ser melhor todos os dias, não me é mais permitido deixar de domar minhas más tendências... só me é permitido ser melhor.

A palha é leve, mas traz um peso enorme sobre quem a carrega. É o peso da responsabilidade de não mais aceitar o erro de nenhuma forma, de buscar a melhoria interna, bem como do entorno. Um difícil exercício diário. Mas no dia da minha saída a palha me trazia a leveza do dever cumprido. Era uma parte da alegria de ter conseguido honrar meu esforço em me doar, bem como o esforço da minha Gaiaku, do meu Mehuntó, da minha Deré, da Minha Dofonitinha e de todos meus irmãos de fé que participaram ativamente da minha iniciação.

E na festa tudo correu bem. Minha Dofonitinha e eu éramos alegria pura e, é claro, alívio também. Não vimos nossa família, mas soubemos que eles estavam lá. Pra mim faltou uma pessoa muito importe, mas que eu não esperava, mas desejava muito que estivesse presente. E presente não por nada, mas por tudo. Por tudo que fui e sou. E uma vez mais fechei meus olhos e mergulhei no meu mundinho para buscar o entendimento que em várias circunstâncias me falta.

E de palha eu cubri para também ouvir a voz do meu atotô (silêncio).
Continua...

domingo, 19 de abril de 2020

Raspada, pintada e catulada


Só depois de passar por toda as funções soube o verdadeiro significado desta frase.

Ao final das funções, véspera do Candomblé que marcaria minha saída para o mundo após longos dias, eu descobri o que significava ser “raspada, pintada e catulada”. E o quanto isso traz de leveza para algumas muitas coisas e pesa na responsabilidade. Responsabilidade com o meu Vodum, com a Gaiaku, com o meu Mehuntó, Minha Dofonitinha, meus irmãos e com as pessoas de uma maneira geral. A partir daí minha conduta será avaliada não mais por ser uma pessoa, mas pela religião que pertenço.

Havia aprendido muitas coisas de Candomblé, mas havia aprendido muito mais de mim. Aprendi a ter paciência, tolerância e perceber melhor o momento de falar e calar, conhecer meus limites, ter mais cuidado no responder e muito zelo, cuidado e carinho no falar. Dentro do Roncó descobri que preciso do cuidado e do cuidar, que eu posso ser sutil e gentil mesmo quando o assunto não é o mais fácil a ser discorrido, e que devo falar menos e ouvir mais. A onça que já não era mais tão feroz, se tornou dócil.

Deixei de ser Abiã para me tornar Yawò, mas o que mudou foi dentro. Não sabia, mas mudaria ainda muito mais quando eu voltasse para o meu mundo. E dentro de mim havia uma vontade imensa de doar todo o amor que estava guardado em mim, de reunir elos, resgatar pessoas, auxiliar no que me fosse possível, me doar, tratar, levar ao menos ao meu mundo todo o amor do meu Vodum e silenciar um tanto de vezes. E também me cuidar, me ver, me enxergar, me tratar.

E então eu fui raspada, pintada e catulada e isso significa para mim que eu preciso ser uma pessoa melhor para mim e para o outro, que tenho que fazer meu melhor e ser melhor todos os dias. Esse é para mim o verdadeiro significado.
Continua...

sábado, 18 de abril de 2020

Ser DE Candomblé e ser DO Candomblé


Há diferenças que vão além das distrações da escrita.

Minha Gaiaku é minha tia. A conheço a vida toda. Quando eu nasci ela já estava na família. Engraçado. Sempre tive mais afinidade com ela que com meu tio, com quem tenho laços de sangue. “Acompanhei” a entrada dela na Umbanda. Passei minha adolescência com a orientação da Vovó Maria do Rosário. Que saudade! Também estava próximo quando ela entrou para o Candomblé. Minha Gaiaku passou por muita coisa, mas nunca abandonou sua fé. Bonito e admirável de ver. E o tempo passou até que ela abriu a própria casa.

Fui até o barracão da Minha Gaiaku pela primeira vez em 2011 quando passei mal e ninguém descobria o que eu tinha. Lá encontrei o “remédio” que precisava, mas não queria tomar de fato. Muitas coisas e pessoas, além de mim mesma, me impediam de tomar a dose certa. E, em 2014, perdi os sentidos de novo e entrei para fazer minha iniciação. Não fui capaz! Meu mundo exterior de novo gritava por mim e eu tinha medo (muito medo) de perder o que na verdade eu não tinha (porque se tivesse de fato, não teria perdido). Mas em momento algum me foi feita proposta. Se tivesse que escolher mil vezes, escolheria mil e uma...

De perto ou de longe, sempre falei que nesta vida se eu fizesse minha iniciação no Candomblé seria com a minha Gaiaku. Ela não é uma pessoa fácil, mas é digna, honesta e em tudo que faz se entrega. Minha Gaiaku tem mais que conhecimento na religião. Ela tem fé e amor pelo Sagrado e isso a torna especial. É admirável sua entrega total. Com ela sempre tive a absoluta certeza que não seria feito apenas o certo, mas o melhor. E assim foi. Minha Gaiaku é DO Candomblé.

            Eu sou do mesmo Vodum que minha Gaiaku, mas ela sabe que apesar de me esforçar para fazer  meu melhor e ser a melhor Vodunsi que eu conseguir, eu sou DE Candomblé. Eu não sei ser de outro jeito. Por mais que eu me esforce não sou capaz. Estou longe de ser a filha dos sonhos. Se muito, conseguirei ser uma boa filha e uma boa Vosundi, mas não DO Candomblé. E essa linguística faz muita diferença. Que minha Gaiaku – que tem o meu profundo respeito, admiração e amor – me perdoe por isso.
Continua...

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Caminhar em Terra Sagrada...


Me despi das vestes do mundo e andei de pés descalços.

Alguns pares de dias afastada de tudo e de todos que por anos me acompanhavam e eu amo com todo o meu coração e a minha alma. Nossa! Que saudade! Não havia um único dia que eu não tivesse pensado como estavam meus filhos meu amor, meus pais... será que estariam pensando em mim?! Será que estavam me esperando?! Sentiam saudade?!,,, Pouco antes de entrar para o Roncó enfrentei alguns desafios que eram maiores que eu, mas dois me abalaram demais. Nossa, um dos desafios havia me engolido e deixado machucados profundos que ardiam e doíam todo o tempo. Era tanto vazio cheio de dor e tristezas que nem sei. E isso era mais motivo para despir as vestes do mundo e andar descalço para se encontrar e iniciar um processo de cura.

Ah o amor! A força mais poderosa do universo também machuca! E muito. Mas promove a cura. Precisava me fortalecer por mim e pelo outro, cada um a sua maneira. Além de preces e vibrações de amor nada mais eu podia fazer por quem estava do lado de fora. Me desprendi de quase tudo que havia deixado do lado de fora. A única “coisa” que não me desprendi foi do amor. E isso é maravilhoso, porque humaniza. Era o que me fazia ser forte para prosseguir. Era o amor e o desejo de encontrá-lo no Roncó e na saída dele que me fortaleciam. Amor e desejo de amar e se permitir ser amada. Esse era meu combustível.

Todos os dias novos aprendizados e desafios. Vencer a si próprio é sempre o maior de todos. Dia após dia uma vitória, uma conquista. E cada vez mergulhava mais fundo no meu interior em busca da minha essência. Encontrei muito dela, mas também da essência do outro, daquelas que são reveladas quando ninguém está por perto. Que decepção me deparar algumas atitudes de quem deveria te auxiliar, mas preferiu mostrar a verdadeira face e ela é feia – que dó! Respirei fundo algumas vezes para não refletir o que me foi mostrado.

E estar descalço é muito mais que não ter nada nos pés. É estar de pés no chão efetivamente e metaforicamente. O chão emana energia e os pés são ótimos em captá-las. E o pé no chão doma o ego e mostra o ego de quem está calçado. E, neste momento, nos utilizamos da compaixão para entender que o outro passou pelo mesmo que você, mas não soube aproveitar como podia e deveria. Calçou os pés rápido demais...
Continua...

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Aceitação...


Aceitar transformações e promover mudanças pode doer, mas é necessário

Minha irmã de santo nesta nova etapa se tornou Minha Dofonitinha (Minha e Dofonitinha com letras maiúsculas porque tenho a MELHOR Dofonitinha que uma Dofona pode ter). A partir do segundo sábado me tornei a Dofona do barco. Logo eu. Mesmo sendo quem sou e como sou, quis Deus e os Voduns que fosse eu a Dofona do barco. Não é o acaso ou escolha. É por conta do meu Vodun: Azansú – um dos reis da minha nação. Deveria eu ser o exemplo a ser seguido pela Minha Dofonitinha.

Eu não era exemplo para nada. Estava tudo tão fora do lugar ainda, tudo tão bagunçado dentro de mim e, sem contar, que Minha Dofonitinha pula na frente em tudo – é o jeito dela – e eu sou lerda para entender algumas coisas. Precisava arrumar o interno aos poucos mas tive que começar a arrumar na porrada mesmo. Se eu deveria ser o exemplo, tinha que fazer meu melhor. A cada função, eu ia primeiro. Então, meu olhar na volta tinha que ser de confiança e fé.

E assim foi. Limpava o que estava sujo e ia preenchendo o vazio com fé, esperança e amor. Não faltaram lágrimas de um misto de sentimentos – confesso, mas também de uma emoção indescritível. E eu pisei pela primeira vez no Roncó. Não houve um único dia que eu tenha adormecido sem fazer minhas preces para meus filhos, meu amor, meus pais, familiares, amigos... (faço isso diariamente). Mas no Roncó eu aprendi a rezar como Vodunsi. Que reza linda! Ouvir meu Mehuntó rezar é lindo demais e emocionante. Ele nos ensinou a rezar com o coração.

Nesta etapa não tem como esquecer o meu Vodun. Essa emoção ficará marcada na minha alma... os banhos frios na madruada, o benguê quente... a reza e o encontro com o Sagrado. E a casa interna se preparando aos poucos, mas de forma intensa pelo que ainda tem pela frente, que até então era novo, desconhecido, mas esperado com muita esperança e amor. Nascia uma Vondunsi. Na verdade duas: Dofona Azonsi e Dofonitinha Oyasi. Uma combinação linda e perfeita de dois Voduns que caminham juntos na melhora e no aperfeiçoamento do ser humano. Ele é do início e do fim, e ela é do meio.

E durante este período único a casa interna estava em arrumação. A minha casa! O meu eu! Deixei do lado de fora o mundo e comecei a me enxergar melhor. Não havia espelhos e não haverá por um longo período – e descobri que há muito não me olhava neste objeto e soube o motivo: não gostava mais do que via. Nunca me vi tão bem e tão de perto sem o espelho. Me vi por dentro...
Continua...

terça-feira, 14 de abril de 2020

Resistência...


Os primeiros sete dias de reclusão são de resistência.

Entrei no Barracão na manhã do dia 25 de janeiro de 2020 ao lado de quem mais tarde se tornaria mais que minha amiga, minha irmã. A Minha Dofonitinha. E entramos com a cara e o medo, mas também com a confiança porque tínhamos e temos a melhor Gaiaku e o melhor Mehuntó que uma Yawò pode ter.

O primeiro dia de reclusão passou, de certa forma, rápido. Mas o segundo... foi eterno. Um domingo. Um looongo domingo. Não sabíamos ainda, mas naquele dia descobrimos que existem três dias num domingo. As 24 horas do domingo parecem 72 horas. Sozinhas e sem contato com o mundo externo, começava ali nossa primeira jornada de fato. E para não nos perdermos no dias, começamos a fazer marcações. Já começamos com o segundo dia. Dia este que ficaria marcado.

Silêncio na maior parte do tempo. As conversas vinham de tempos em tempos em forma de palavras encorajadoras. Ora eu, ora minha irmã. E nestes sete dias aprendemos de forma dura e incisiva que ali seríamos apenas nós com nós mesmas e, vez em quando, uma com a outra. Sem contato algum com o mundo externo, sem qualquer luxo ou vaidade. Naquele momento ainda existia o ego. Ah, o ego. Como ele também é resistente. E, às vezes, parece que vai nos atropelar.

Deixei tudo que me cerca para me encontrar. Nunca houve uma ruptura tão grande na minha vida antes. Família, Amor, amigos, trabalho... tudo. Absolutamente tudo ficou do lado de fora e isso tornou ainda mais inevitável a percepção do que valia ou não manter no corpo, no coração e na alma. Só existia o ser humano Audrey e o que ela queria dali em diante. Como senti saudade. E como a saudade é cruel e machuca. Das cosias eu não senti falta, mas de algumas pessoas a dor da saudade era avassaladora.

Foram muitas as descobertas internas neste período, embora me perguntasse constantemente “o quê eu estou fazendo aqui?”. Essa era a minha resistência comigo mesma. Eu sabia que era necessário este mergulho profundo no meu interior, mas no raso já me era difícil. Eu não gostava do que via e em pequenos afundamentos já me faltava o ar e o que via fazia meu corpo doer e minha alma latejar. É muito difícil deixar o mundo para ouvir as próprias batidas do coração, principalmente quando o pulsar é triste.

Na minha alma tinham muitos lugares vazios, mas estavam sujos de tristeza, mágoa, dor, abandono... mas também existiam lugares limpos e perfumados com muito amor, alegria, bem-estar, paz... E era chegado o final dos primeiros sete dias. Era chegada a hora de começar a limpeza dos lugares vazios e sujos e deixar ainda mais limpo e perfumados os demais. Era a continuidade da jornada proposta...
Continua...

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Me despi pela segunda vez...


Me tornei Yawò este ano. Sim eu sou Candomblecista.

Me despi das vestes do mundo, me despi das vaidades, me despi de mim e me entreguei de alma nua – até então só havia despido minha alma uma única vez e por amor. E não foi fácil. Estar com a alma e o coração nus é mais difícil que se possa imaginar e para se entregar é preciso coragem.

Eu não escolhi o Candomblé. Foi o Candomblé que me escolheu e eu aceitei (com relutância) sua escolha. O som do atabaque faz o meu corpo arrepiar e quanto mais ele toca, mais se faz silêncio dentro de mim até que os sentidos adormecem e a paz ecoa. Silêncio. Passos lentos como o tempo e uma das forças mais sublimes da natureza toma conta de mim, meu corpo aquece com aquela sensação gostosa que só os raios do sol do início da manhã e do final de tarde são capazes. É a paz.

A paz é equilibrada. Ela aquece e traz frescor na medida da precisão. E muitas coisas passam a ter sentido, ainda que não se domine os próprios sentidos. Só um Vodunsi é capaz de entender outro Vodunsi e o que se sente quando o Vodum está entre nós. Mas para quem despe a alma, abre o coração e fecha os olhos os Voduns se mostram através da energia boa, sublime. É só se permitir.

No Candomblé fui em busca do meu equilíbrio. Fiz um mergulho no interior da minha alma para encontrar a minha essência. Fui me recolher, me encontrar, procurar saber aquilo que de fato me é essencial nesta ida, o que me é importante e o quanto o que eu encontraria poderia realizar de transformações na minha vida e na vida dos que estão ao meu redor para melhor. Essa é uma das funções de uma religião: nos tornar pessoas melhores para si e para o outro.

Foram dias longos e intensos e de muito aprendizado. Estar desnuda diante de si não é tarefa fácil. Exige muito esforço e coragem para se olhar desta forma, se avaliar, encontrar sua essência sem subterfúgios. São apenas você com você. Tanta coisa a rever, tanta coisa a mudar... um processo difícil e único onde você é o grande responsável. Nunca havia me visto com tanta clareza antes.

E então você decide se começa o processo de mudança, de transformação ou continua no caminho que percorria...

Continua...

O que sente a alma


Escrever sempre me deu prazer e trouxe alívio. Através da escrita vou além de mim. Me perco e me encontro, viajo e retorno.
Eu gosto mesmo de escrever à mão. Tenho tanta coisa escrita e guardada. Vira e mexe pego algumas e queimo. Se não, quando eu morrer, quem ficar terá muito trabalho pra se desfazer dos meus papéis. Não é justo..

Sempre que quero escrever para alguém com o coração e alma, sento diante de uma folha de papel, pego minha lapiseira e a deslizo sobre a folha. Deixo as palavras e os sentimentos fluírem. E hoje, mesmo com toda tecnologia, faço a mesma coisa. Cada palavra enviada tem ou tinha um manuscrito (já queimei alguns).

O que a tecnologia me permitiu é que eu posso fazer meu manuscrito, digitalizar com o celular e enviar. Em cada palavra, em cada linha meu sentimento mais verdadeiro estará. Não me importa se a pessoa está próxima ou distante. É que sou melhor escrevendo que falando, mesmo que nem sempre escolha as palavras. Na verdade, quase nunca escolho. Eu deixo que a alma fale. Talvez por isso me dê tanto alívio.

Então, nos próximos dias, vou relatar aqui minha experiência na minha iniciação no Candomblé. Uma experiência rica que me trouxe um misto enorme de sentimentos e emoções e trouxe a tona tanta coisa guardada... um período em que pude me ver e rever por dentro. Ocasiões vividas, pessoas e situações que já tinham destaque na minha vida ganharam ainda mais importância.

Bom, é isso. Não existe pretensão além do prazer e do alívio em escrever o que sente a alma.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Saudade... Que saudade...


“Na solidão, na penumbra do amanhecer... Via você na noite, nas estrelas, nos planetas, nos mares, no brilho do Sol e no anoitecer...

Via você no ontem, no hoje, no amanhã...

Mas não via você no momento.

Saudade...Que saudade...”.

Mário Quintana


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Hoje a saudade bateu tão forte, que até o dia amanheceu chorando... e o vento gritava frio como se também estivesse reclamando a falta que você faz.