quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A inutilidade e o amor

“Ter que ser útil para alguém é uma coisa muito cansativa. É interessante você saber fazer as coisas, mas acredito que a utilidade é um território muito perigoso porque, muitas vezes, a gente acha que o outro gosta da gente, mas não. Ele está interessado naquilo que a gente faz por ele. E é por isso que a velhice é esse tempo em que passa a utilidade e aí fica só o seu significado como pessoa. Eu acho que é um momento que a gente purifica, né? É o momento em que a gente vai ter a oportunidade de saber quem nos ama de verdade.

Porque só nos ama, só vai ficar até o fim, aquele que, depois da nossa utilidade, descobrir o nosso significado. Por isso eu sempre preço a Deus para poder envelhecer ao lado das pessoas que me amem. Aquelas pessoas que possam me proporcionar a tranquilidade de ser inútil, mas ao mesmo tempo, sem perder valor.


Quero ter ao meu lado alguém que saiba acolher a minha inutilidade. Alguém que olha pra mim, assim, que possa saber que eu não servirei para muita coisa, mas que continuarei tendo meu valor.

Porque a vida é assim, fique esperto, viu? Se você quer saber se o outro te ama de verdade é só identificar se ele seria capaz de tolerar a sua inutilidade. Quer saber se você ama alguém? Pergunte assim mesmo: quem nessa vida já pode ficar inútil para você sem que você sinta o desejo de jogá-lo fora?

É assim que descobrimos o significado do amor. Só o amor nos dá condições de cuidar do outro até o fim. Por isso eu digo: feliz aquele que tem no final da vida, a graça de ser olhado nos olhos e ouvir do outro: ‘você não serve pra nada, mas eu não sei viver sem você’”.

Padre Fábio de Melo

 

*******

 

Este texto do padre é o melhor que já li sobre o amor. É tão profundo, tão verdadeiro, que nos toca a alma e põe pra refletir sobre a vida, sobre as relações e sobre o amor. Principalmente o que se acha que é amor. Nos últimos anos aprendi tanto sobre a vida, sobre o amor.

A maioria das pessoas com quem nos relacionamos na verdade não se importa com a gente, mas sim com eles próprios. Se por algum motivo deixamos de “servir”, de ser “útil”, deixamos de ser amados, perdemos o valor. É o amor da boca pra fora, o “eu te amo” desde que você me serva para alguma coisa, mas ao menos sinal de inutilidade, se tornam carentes e o amor acaba. Não carentes de amor, mas de recíproca, de valor. Valor próprio, inclusive. Afinal, só se oferta o que se tem.

Há poucos dias vi bem de perto o amor e o valor e falta deles. Fui remetida a algumas lembranças tristes quando uma pessoa que estimo muito, mãe de alguns filhos, se tornou inútil e sem valor. Ficou pesada. E até quando eu mesma estava inútil e perdi o valor. Então, me dei conta que a inutilidade só é acolhida se realmente há amor porque não é fácil lidar com fragilidade, a debilidade, a necessidade do outro. O amor não é o quanto se é útil a alguém, mas sim o valor do que se foi feito quando o outro estava e/ou era “inútil”. Pobres e tristes aqueles que não sabem o valor das pessoas.

É bom saber sobre o amor porque um dia nos tornaremos inúteis e só ficará até o fim o valor do que um dia fomos e ainda somos. A meus amores, caso eu parta antes, vocês têm valor pra mim porque eu os amei na inutilidade, quando vocês sofreram, se perderam, se sentiram inúteis, invisíveis, inseguros, eu estava lá, eu os abracei, eu os beijei e os apoiei. Gratidão a cada um por ter me ensinado o verdadeiro valor.