domingo, 16 de janeiro de 2022

Me dê mais tempo...

Há tempos a humanidade, de uma maneira geral, vive desafios. A pandemia do Covid mudou rotinas e costumes e muitas pessoas partiram. As relações mudaram, a vida mudou – ao menos para os que se deram conta do que este desafio trouxe de ensinamento.



No entanto, ainda existem os desafios de cada um em separado. Quando nascemos já sabemos que um dia vamos partir. O que não sabemos é como e quando. No ano passado uma pessoa jovem da “minha relação” partiu deixando uma pessoinha ainda tão precisada dela. Oh dó! As mamães deveriam durar mais. Minha relação de amizade já não era mais a mesma – coisas da vida –, mas ficaram, ao menos da minha parte, o amor, o carinho, o respeito, a gratidão. Estas coisas não têm prazo de validade.

É estranho, é difícil saber que não existe mais a possibilidade de vê-la. Eu tentei manter a amizade, o contato, cuidar se fosse preciso, buscar, levar, mas ela se recusou. Ela estava internada no dia do aniversário, mesmo sem poder entrar, consegui fazer chegar até ela uma flor, um chocolate e um recadinho. Não sabia, mas este seria meu último gesto de amor e cuidado com ela.

Dias depois fui excluída e bloqueada até nas redes sociais. Não entendi. E isso me fez questionar que tipo de pessoa eu sou. Precisei rever conceitos e fazer novas descobertas sobre mim. Isso me trouxe muitas reflexões. E, em poucos meses, o câncer a levou. E nós estávamos distantes. Como disse Pablo Neruda, “morre menos quem morre longe”. E assim foi. E sua partida só me foi de conhecimento porque outra pessoa, que não tenho muito em comum, postou em rede social. E a madrugada do dia que ela partiu foi terrível pra mim. Não dormi a noite toda, virando de um lado para outro, agoniada, incomodada. Rezei tanto e nada fez passar. Mistérios de Deus.

Me peguei pensando algumas vezes sobre o amor depois disso. Há dois anos me preparava para fazer minha iniciação no Candomblé. Muitas pessoas que eu amava se afastaram de mim. Pessoas que eu amava muito. Quando se faz a iniciação, fica-se por um tempo sem contato com as pessoas. Assim que pude ter contato, a primeira coisa que fiz foi buscar as pessoas que eu amava, queria tocar, abraçar, amar, dizer o quanto elas eram importantes pra mim, o quanto as queria na minha vida. Uma boa parte se recusou. Para mim, nunca importou se eram católicos, protestantes, espíritas, ateus, budistas, hinduístas, agnósticos, islamista ou qualquer outra coisa. Eu os amava exatamente como eram e independente do que escolhessem.

Busquei um a um. E aí descobri que eu amei só. Não havia retribuição. Eu não era amada por quem amei e ainda amo, mas já não gosto mais. A religião, a pandemia, a morte – exatamente nesta ordem – me trouxeram, com muito sofrimento e dor, mais ensinamentos que qualquer banco de escola ou universidade. Aprendi, em dois anos, o que não aprendi em toda minha vida. A pandemia persiste, sou candomblecista e a morte está me encarando de frente mais uma vez. Peder quem eu amo foi um duro golpe. Quase me matou efetivamente. Mas o que não mata, fortalece. Hoje sou mais forte e sigo amando, mas já não gosto mais.

Que toda pessoa que eu amo – até as que não gosto mais – sejam verdadeiramente amadas. A decepção e a dor que senti não desejo a ninguém, muito menos a quem um dia foi importante pra mim. A cada um que permaneceu, a cada um que se foi, a minha mais profunda gratidão. E, à morte, eu humildemente peço que me dê mais tempo, se for possível.

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